25/11/2008

MEU PAI – SEU PAI – NOSSOS PAIS
(primeira parte)

De vez em quando leio algo sobre pais e seus relacionamentos com os filhos. Alguns mostram relacionamentos amigos, bonitos, tranqüilos. Outros mostram qualidades que diferenciam os pais, mostrando o carinho e a admiração dos seus filhos. No geral, não são diferentes de tantas histórias que vamos ouvindo ao longo das nossas vidas. Eu mesmo poderia contar inúmeras histórias envolvendo o meu próprio pai. Mas o resumo da minha vida com ele é até um pouco banal.

A única coisa que ele fez por mim e até hoje eu não consigo entender por que, foi ter me ensinado a ler muito cedo. E em toda a minha infância e adolescência, os únicos momentos em que o senti mais perto de mim, embora com certa tirania, era quando se sentava ao meu lado para me ensinar a ler e a escrever. Aos seis anos eu já lia e conseguia escrever quase que normalmente. Quando passei do Jardim da Infância (na época ainda era assim que se chamava) para o Primário, minha professora não se conformava com meus conhecimentos e minha capacidade de ler e escrever. Eu era o melhor aluno da turma (aliás, fui o melhor aluno durante todos os anos básicos) e uma sensação entre os professores. E além de inteligente, era também bastante bonitinho... risos. Daí, tanto sucesso. Até os coleguinhas me respeitavam e viviam me bajulando para ensinar-lhes aquilo que não conseguiam aprender.

Fora esse período de aprendizado, que de certa forma foi imposto por ele, nunca tive uma atenção especial, um sorriso, um abraço, um carinho. Mas aprendi com ele a gostar de livros e a respeitar as palavras e a língua portuguesa. Reconheço aí uma herança e tanto!

Eu sempre adorei desenhar. E meu pai sempre se opôs a isso. Lembro que ainda muito novo, uns três ou quatro anos de idade, rabisquei toda uma parede lateral da nossa casa com lápis. E jamais esqueci a surra que levei.

Como era bastante curioso, eu revirava as gavetas, os armários, em busca de novidades. E encontrei o grande segredo do meu pai! Ele se trancava na sala de jantar, acho que nas tardes de sábado e em algumas noites da semana e ninguém, nem mesmo minha mãe sabia o que ele ficava fazendo lá. Pois é! Um dia ele esqueceu a gaveta da escrivaninha dele aberta e eu descobri, para minha surpresa, várias folhas com desenhos de lindas mulheres nuas. Ele gostava de desenhar! Não sei explicar por que, mas até hoje guardei esse segredo. Nunca comentei com minha mãe, meu irmão ou minha avó que morava conosco. E esse foi, para mim, o único segredo que eu partilhei com meu pai, mesmo sem ele saber. Acontece que, à medida que fui crescendo e aprimorando os meus desenhos, ele começou a tentar me impedir de desenhar. E conseguiu, durante um bom tempo. Mesmo hoje, embora reconheça que tenho um bom traço e desenhe muito bem, encontro enormes dificuldades para desenhar ou pintar. Talvez por isso trabalhe com artistas...

Quando eu já estava no segundo ou terceiro ano do Ginásio, fiquei amigo do Cotrim, que tinha aulas de pintura. Quando ia estudar na casa dele, eu ficava maravilhado com os quadros que ele pintava e comecei a querer aprender também. Fui com meu amigo ao atelier do cara que o ensinava e anotei todos os dados necessários. Fui para casa, feliz da vida e, quando meu pai chegou, conversei com ele sobre as aulas de pintura, o valor da mensalidade que deveria pagar, etc.. Nem mesmo pude terminar a conversa, bruscamente interrompida por ele que me proibiu terminantemente de desenhar e pintar, pois isso “era coisa de mariquinha, de mulherzinha” (era assim que se falava na época). Essa foi uma das minhas primeiras e maiores decepções. Ainda mais por saber do segredo dele, que desenhava escondido. Acabei achando que meu pai também era mariquinha... e nunca mais desenhei ou pintei!



Crédito: desenho realizado por Beti Timm, em caneta esferográfica sobre papel, generosamente inspirado em uma foto minha.