12/12/2010





CONTO DE NATAL




O calor forte e úmido embota os sentidos e, nem a TV ligada, com sua programação sem graça consegue me entreter.

Preguiçosamente, desligo a TV e, dirigindo-me lentamente à estante de CDs, escolho alguns com minhas músicas prediletas e os disponho na bandeja para tocar. Já encharcado de suor, retorno à minha poltrona predileta e me solto sobre ela, enquanto percebo, pela grande janela envidraçada da sala, que lá fora chove copiosamente. Aliás, chove como sempre, durante as festas de fim de ano.

E o ventilador, à toda, não consegue espantar o calor!

Reabro o livro que estava lendo e deixo meus olhos seguirem as linhas que se embaralham pelas páginas, pesadas de tantas palavras, formadas por milhares de letras. Ao fundo, a melodia sempre hipnotizante do Bolero de Ravel que segue, em seu crescendo, aparentemente sem fim.
É nesse momento que um barulho vindo da cozinha me desperta do meu torpor. Preocupado, por estar só em casa, levanto-me com dificuldade e, pé ante pé me dirijo à cozinha, carregando nas mãos, à guisa de arma, um guarda-chuva velho que jazia, encostado e inútil, num canto da sala.

Encontrei vasculhando a geladeira, um garoto gordinho de uns sete anos, que me olhou assustado, como se o invasor ali fosse eu. Aproximei-me com cuidado, sem largar a arma, digo o guarda-chuva velho e perguntei o que ele estava procurando em minha geladeira. Agora sim, assustado de verdade, ele disse que a geladeira era dele e que eu é que deveria explicar o que fazia dentro da sua casa. Sem receio do garoto, resolvi entrar na brincadeira para entender o que ele queria em minha casa e como havia entrado sem que eu percebesse.

Disse que estava com sede e gostaria de tomar um copo de água gelada. Ele, com desenvoltura, tirou um copo do armário, ofereceu-o para mim e, abrindo novamente a geladeira, pegou a garrafa de água que destampou e foi inclinando sobre o copo que eu segurava, até enchê-lo parcialmente de água. Depois ficou olhando-me fixamente, ainda segurando a garrafa, até que eu bebesse todo o líquido refrescante. Como eu agradecesse e dissesse que estava satisfeito, ele fechou a garrafa com cuidado e guardou-a novamente na geladeira.

Parecendo um pouco mais seguro, sentou-se num banquinho e pediu-me que lhe explicasse o que fazia em sua casa na noite de Natal. Ele disse que sabia que Papai Noel eu não era, pois o bom velhinho não existia. Resolvi, então, tentar destrinchar aquele mistério, dizendo-lhe que, na verdade eu estava na minha casa e que ele é que havia entrado sorrateiramente ali, sem ser convidado. Fomos discutindo acaloradamente quem estava na casa de quem, até que, assustado, comecei a desconfiar de que estava discutindo comigo mesmo, ou melhor, com o garotinho gorducho que eu havia sido há tantos Natais passados.

Minha vida toda retrocedeu rapidamente, como num filme ao contrário e eu percebi que, naquela idade, cinqüenta e cinco anos antes, eu estava desolado por haver descoberto que Papai Noel não existia. E que os presentes que ganhava todos os Natais eram comprados pelos meus pais e não deixados magicamente embaixo da grande árvore de natal que enfeitava um canto da sala de estar. E desde então, a esperada festa de Natal havia perdido a magia e o mistério! Pouco a pouco, à medida que minha idade ia aumentando, fui percebendo as desigualdades, o sofrimento, as perdas, tudo enfim, que contribui para tirar dos adultos aquela sensação de que, num passe de mágica, o mundo será melhor.

Escola com professores desinteressados, colegas impiedosos que não hesitavam em tiranizar a vida dos menos agressivos, namoradas volúveis, trabalho excessivo com chefes que não se importavam com as necessidades pessoais dos seus subordinados, exigindo horas extras intermináveis; a cada acréscimo de dificuldades, um pouco mais de magia e sensibilidade nos deixava.

O vigor e a insensibilidade da juventude empurrando para as noitadas de farra, depois as obrigações de um casamento obrigado por uma gravidez indesejada, aliadas à decepção da morte prematura do filho indesejado, com o progressivo afastamento dos cônjuges até que cada um resolvesse tomar o seu próprio caminho, tudo isso empurrou para trás de uma parede de esquecimento as noites de fé e de esperança de um garotinho gordinho que, até os sete anos ainda acreditava em Papai Noel.
E ali, há cinqüenta e cinco anos, começava a tomar forma o homem que, nesta noite chuvosa e quente, estava na cozinha da sua casa, conversando consigo mesmo, com sete anos de idade e ainda com um grande estoque de fé, esperança, afetuosidade, compaixão e tudo o que fora deixando pelo longo caminho de sua vida.

Senti um enorme aperto no peito, lágrimas desaparecidas há tanto tempo, surgiram como por encanto e umedeceram meus olhos que olhavam fixamente para aquele garotinho gordinho que, de repente, abriu os braços e aconchegou meu corpo cansado em seu peito infantil. Uma onda de amor percorreu meu corpo enquanto as lágrimas lavavam minha alma dolorida. Deixei-me confortar pelo pequeno e, não sei mais desde quando, resolvi deixar as lágrimas se transformarem em soluços que aos saltos, foram retirando do meu coração toda a amargura acumulada, preparando-o para receber novamente todos os bons sentimentos que um dia habitaram meu coração infantil.

Foi então que percebi que os últimos movimentos do Bolero preparavam o término triunfal da composição de Ravel e que o pequeno gordinho que me abraçava diminuía sensivelmente até caber em minhas mãos, com os bracinhos abertos e um sorriso triunfal em seu rostinho corado. Levei-o com carinho para a sala e, sobre uma mesinha, preparei-lhe uma caminha com um pouco de palha tirada de uma caixa de vinho. Lá fora a chuva parou e, pela grande janela envidraçada da sala, vejo, no céu, uma estrela brilhante.

Volto à minha poltrona predileta e sento-me, com o coração leve e uma oração nos lábios. Adormeço.

Abro os olhos preguiçosamente, um fio de suor escorre pelo meu peito; abro os braços e me espreguiço, bocejando com vontade. Percebo que dormi na poltrona. Lá fora, um dia ensolarado faz com que as gotas de chuva pendentes das plantas brilhem como pequenas estrelas. Ou pequenos diamantes. Na mesinha ao lado, percebo surpreso, uma pequena imagem do Menino Jesus que me observa sorrindo e com os bracinhos abertos. Como se me desejasse Feliz Natal!

Ajoelho-me e, como não fazia há mais de cinqüenta anos, oro com fervor. E enquanto lágrimas de amor e gratidão escorrem-me dos olhos, agradeço àquele menino por tudo o que fez por mim. E por todos.







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Notas:
Agradeço aos amigos que ainda passam por aqui.
E àqueles que não passam mais também.
Este conto é dedicado a todos.

Ao ANDRÉ:
você continua sendo um amigo muito querido.
Só preciso que passe o seu e-mail correto para poder fazer contato.


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20/09/2010

Respeitável público!

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Quando eu era pequeno, uma das maiores alegrias da criançada era a chegada de um circo perto de casa. A alegria tomava conta dos nossos corações que passavam a semana toda se enchendo de expectativas e aguardando o fim de semana para ir ao circo. E a recompensa era certa! O apresentador sempre se dirigia ao público com a seguinte expressão: “Respeitável público...” E apresentava os números que nos traziam o mundo encantado dos malabaristas, equilibristas, mágicos, alguns animais e, sempre... os encantadores palhaços! Os anos se passaram e o circo, como o conhecemos, chegou ao fim! Aquele circo que nos fazia sorrir, que mesmo com a lona rasgada e o pequeno faturamento, se importava mesmo é com a alegria da garotada, que instalava um clima de magia no ar.


Este ano, como acontece sempre, temos o pleito eleitoral que nos traz de volta, já adultos, a magia do circo. Não é a mesma magia de antigamente, mas o picadeiro está armado e os apresentadores nos dizem: “Respeitável público, nos dêem seus votos para que possamos entrar no picadeiro!” Esse circo é muito rentável, onde uma plêiade de atores transformados em palhaços, malabaristas, equilibristas, cantores, atores e mágicos disputam seus lugares ao sol, de preferência regados a uísque (importado) e dinheiro (muito dinheiro). Esses atores não se importam com a alegria do seu público e sim com a deles próprios.



O que conhecemos agora como “ficha limpa”, aprovado recentemente sob o clamor popular,nada mais é do que obrigação de todos, embora não seja segredo para ninguém, que o “ficha limpa” não garanta a idoneidade dos candidatos, apenas se limitando a conferir o histórico dos mesmos. Mas o que acontece com o crivo das pessoas e dos líderes dos partidos, quando pensam em colocar certas pessoas nas disputas pelos cargos em todo o país, sem exceção? Temos por aí as candidaturas da Mulher Pera, do Tiririca, dos irmãos do KLB Kiko e Leandro, do Ronaldo Esper e do Batoré, preferindo eu parar por aqui, para não estender demais este texto. É um verdadeiro circo ou não é? E o que passa pela cabeça de um cidadão ao aceitar esses candidatos, que nem ao menos sabem o que faz um deputado ou um senador? Na verdade isso nem importa, se levarmos em consideração que os nossos deputados e senadores (muitos deles) também não saberiam responder essa pergunta decentemente.


Eles sabem, sim, enriquecer, empregar familiares e amigos, além de defender interesses de quem financiou sua campanha (veja PCC x Ney Santos, noticiado exaustivamente nos últimos dias) e todos os cambalachos que nós, cidadãos, nem desconfiamos da existência. Mas o que mais me incomoda mesmo não é o fato de comprovar essas candidaturas “estranhas”, mas sim constatar a possibilidade de que eles sejam eleitos.


O nosso povo é tão desprovido de educação e cultura (bases que deveriam ser fundamentais em todas as sociedades), tão desestimulado ao esforço do aprendizado que se mantém na ignorância e se sente agradecido e devedor ao “Grande Pai” que lhe dá “bolsa família, bolsa presidiário, bolsa isto, bolsa aquilo” sem que ele precise se esforçar em melhorar, em aprender, em se instruir. Também, se o próprio presidente da república diz com orgulho não ter estudo, ser filho de mãe que se manteve analfabeta durante toda a vida e revela ser incapaz de ler um livro, quer exemplo maior dessa falta de educação e cultura que já se tornaram endêmicas em nosso país?


Os candidatos, ao fazerem suas propostas eleitorais, prometem aos eleitores mais investimentos na área de assistência social, acreditando que o povo tem fome apenas de comida. Esquecem que para haver uma população saudável, ela precisa, acima de tudo, de instrução para saber evitar o que lhe possa causar mal. Através da instrução, se transforma analfabetos em pessoas capacitadas a ler e entender o que está lendo, a escrever com clareza suas idéias e suas necessidades, ler e entender o que a imprensa escrita e falada mostra todos os dias e, com tudo isso, formar suas próprias opiniões e saber externá-las através do mais poderoso instrumento que possui, que é o voto. Mas isso não interessa aos políticos de plantão, pois é muito mais fácil enganar pessoas sem instrução que geralmente não possuem as informações necessárias para distinguir o que é certo e o que é errado dentro dos discursos dos nossos políticos e, conscientes dos seus direitos, os cobrem dos governantes.



Os candidatos à presidência, não trazem absolutamente nenhuma novidade em seus discursos, em seus “programas” de governo! Todos eles representam a continuidade do “coronelismo”, do “paternalismo”, que parecem incrustados em nossas memórias e em nossos corações. Desses, dois estão no centro do picadeiro, dois rondando pelas arquibancadas e os demais, circulando por fora do Grande Circo, por não terem conseguido ingresso. Portanto, os únicos que nos interessam de verdade, neste momento, são os que estão no picadeiro. Um, que não se decide se é mágico, se é palhaço ou malabarista, não mostra o menor talento para o entretenimento do respeitável público e, mesmo se em seu íntimo guarda o grande e tão esperado Artista, não consegue transmitir nada e fica circulando, como o palhaço que apanha sempre e não bate nunca, com os olhos vendados e as mãos atadas. A outra, representa o palhaço esperto, que se mantém no centro das atenções graças a sua esperteza e, batendo no outro, arrebata o grande público que acaba torcendo por ela e mantendo-a no centro do picadeiro. Ela também está travestida com a fantasia do seu mentor e mestre que é o verdadeiro Grande Palhaço desse circo! Ele sim sabe fazer a criançada feliz, com suas tiradas desinteligentes e espirituosas, suas trapalhadas, suas ligações com os outros Grandes Palhaços de outros Grandes Circos.


E nós, infantilizados pela falta de educação e cultura, que não é privilégio desse Grande Palhaço, mas que vem de séculos de paternalismo-coronelista, acabamos mantendo esses mesmos “artistas” no Grande Picadeiro, eternizando nossas carências e alimentando nossos egos com nossas risadas inocentes e infantis. Aplaudindo qualquer palhaçada, mesmo aquelas que não faríamos em nossas próprias vidas.


E, na falta de opção, acabamos divididos entre o candidato a palhaço que apanha e a candidata que bate. Resta decidir se ficaremos ao lado daquele ou desta. Aquele trabalha no Grande Circo há décadas, tendo representado grandes papéis e conseguido, em seus melhores momentos, trazer sorrisos ao rosto da garotada. A outra passou, meteoricamente, de ilustre desconhecida a atriz secundária no show do Grande Palhaço que é mais ilusionista que outra coisa. Ela não trouxe nenhum sorriso e tem uma história obscura, cheia de boatos (ou fatos?). Ela me parece ser o dedo que falta na mão esquerda de seu mestre. E além deles, temos uma verdadeira constelação de astros e estrelas secundários, que se candidatam aos demais cargos nesse circo que é maior do que coração de mãe. É aí que entram as pessoas mais despreparadas que só querem mesmo é se dar bem, já que seus shows solos não rendem mais boas bilheterias.


Sinceramente, eu não sei onde vai parar tanta gente incompetente! Mas o que mais me assusta não é saber que aceitamos e até apoiamos candidatos fruta, candidatos artistas, candidatos palhaços; o que me assusta mesmo é ver a possibilidade de que eles sejam todos eleitos e, aí sim, poderemos nós, cidadãos brasileiros, pegarmos nossos narizes vermelhos e sairmos por aí festejando a chegada de mais um Grande Circo, com seus números velhos e requentados, sem nenhuma novidade.

Bem, eu não quero continuar sendo taxado de “povo ignorante”, por isso, estou checando muito bem os meus futuros representantes, o que eles já fizeram pelo país, o que se propõem a fazer e vasculhando seus históricos de vida e de atuação. Eu não quero ser conivente com o que vejo em todos os escalões do poder, não quero ser hipócrita a ponto de não perceber a que ponto meus votos poderão nos levar e àqueles que virão depois de mim. Eu quero renovar esse Grande Circo, trazer para o picadeiro artistas que tragam novidades e, de verdade, tragam alegria ao meu coração!

Eu não quero deixar como mensagem a frase: “dia 3 de outubro, coloque seu nariz de palhaço e vá votar!”


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04/05/2010

A V I S O

Olá, pessoal!


Não! Ainda não voltei!

Apenas para o caso de alguém passar por aqui, saber que estamos reabrindo o Palimpnóia, que reestreou ontem, dia 03 de maio, com um delicioso texto da Aline!

Dê um pulinho até lá! Vai valer a pena!

E não esqueça de deixar o seu comentário.


Obrigado, um grande abraço e

até qualquer hora.


Ah! Eu estarei no Palimpnóia no dia 24 de maio!


Não desista! O blog demora exatos dez segundos para abrir!

A "tabelinha" de postagens é a seguinte:


03 de maio = Aline

10 de maio = Jens

17 de maio = Euza

24 de maio = Zeca

31 de maio = Shirley