31/03/2009

Dúvidas

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Eu não aguento mais essa tortura! Primeiro vieram as fadas, os duendes, os gnomos! Foram invadindo a minha casa, a minha vida, o meu ser! Depois, pouco a pouco, ele foi tentando apropriar-se de minha alma. Foi se instalando dentro de mim, ocupando cada cantinho que encontrasse e me expulsando para um lugar sombrio, que eu nem ao menos reconhecia. Covardemente fui me encolhendo, me deixando dominar. Ele, se fortalecendo, criando vida própria, tomando conta de tudo e de todos. Até meus amigos se encantaram com ele! Depois foi a vez de expulsar os seres da natureza, que estavam ali para dar um contrapondo mais leve às agruras que a vida adulta traz consigo. Expulsou-os para locais desconhecidos. Ele mesmo foi se transformando. O doce e meigo garotinho cresceu e perdeu a suavidade. Ganhou em malignidade disfarçada pelo sorriso farto e os olhos brilhantes. Mas eu o via, do meu canto escuro e úmido. Percebia todos os seus movimentos e todos os disfarces usados para seduzir pessoas. Transformou-se num jovem sedutor, ao qual todos se rendiam, como eu mesmo havia feito.

Enquanto acompanhava o seu desenvolvimento, imaginava formas de lidar com ele. Mas nenhuma das minhas maquinações foi suficiente. Ele as vencia, uma a uma. E foi seguindo seu caminho, anulando-me cada vez mais. Sentia que estava perdendo minha própria identidade. Estava sendo transformado numa horrenda caricatura dele. Pouco a pouco ele acabaria tomando posse do meu corpo. Da minha vida. Da minha alma. Algo precisava ser feito. Reunindo o pouco de forças que ainda me restava, consegui lançar um sinal de socorro, que uma amiga, mais atenta, percebeu e respondeu, através de sinais, lançando a ponta da corda com a qual eu conseguiria libertar-me do cativeiro, tendo então a sonhada oportunidade de lutar contra ele.

Livrou-se do filho gerado, não o assumindo e entregando sua guarda aos pais da moça. Saiu aliviado e pronto para novas aventuras. Foi para o exército onde, em plena ditadura, cativou a todos, inclusive o amor de Regina, de quem acabou se enamorando, e destruindo. Morou com sua antiga namorada, Arlete, que largou tudo para segui-lo, até que, cansado, dispensou-a friamente, deixando mais uma presa em sua trilha. Conheceu outras pessoas, teve outras experiências e foi deixando, por onde passava, outras vítimas dos seus encantos. Com o passar do tempo, mais encantador e maligno ele se tornava. Crescia e, atrás do sorriso cativante, corações iam sendo destruídos. Havia se transformado num monstro. Alimentava-se do mal que espalhava. E quanto mais vivesse mais aumentaria seu campo de destruição.

Estava claro que algo precisava ser feito. Ele era um daqueles personagens criados numa bela manhã de inverno, que conseguiam criar vida própria, livres de qualquer controle. Até praticamente deixar o criador anulado, esquecido de si próprio, pois sua personalidade forte ia se alastrando, inicialmente restrita àquela sala, mas pouco a pouco, tomando conta de tudo e de todos. Ele já andava pelas ruas, fazia novos amigos, angariava outras simpatias. Era preciso fazer algo urgentemente. Foi quando, num ímpeto de coragem, acordei de um sonho ruim e o prendi numa armadilha. Seu ponto fraco é que, à medida que se tornava mais humano, ia desenvolvendo hábitos comuns, como o de dormir. Peguei-o durante o sono, com um beatífico sorriso nos lábios, mais parecendo um lindo anjo descansando. Prendi-o com grossas correntes, dentro de um cofre forte, do qual apenas eu conheço o segredo. Agora ele está lá, se debatendo para sair.

Eu sei que não posso fraquejar. Ainda o amo, pois é minha maior criação. Mas estou ciente de sua desvirtuação, de seu descontrole. Não decidi ainda o que fazer. Talvez o lance em alto mar, sepultando de vez quem hesito em renegar. Talvez crie um espaço fechado, exclusivo, de onde não poderá sair. Precisa ser um local seguro, do qual apenas eu tenha a chave e cuja fechadura se abra apenas pelo lado de fora, para que não consiga fugir e espalhar mais maldades por este mundo já tão saturado de horrores. Minha amiga sugeriu duas possibilidades: a primeira, quase inviável devido aos seus encantos que sempre acabam me enfeitiçando seria terminar logo sua história, colocando o ponto final. A segunda, seria criar um local onde ele pudesse existir, apenas seu e de mais ninguém. Ainda não estou certo, pois o coração de um criador não é imune à sua cria, seja ela anjo ou demônio.

:-)*(-:


Estou enfrentando grandes dificuldades com o meu tempo. Não tenho conseguido visitar os amigos, não tenho conseguido parar para escrever, não tenho conseguido pensar em nada novo para postar. O Alzheimer do meu padrasto está progredindo, minha mãe precisando de um pouco mais de força e o artista que represento está em fase de ascensão, com novos convites e, consequentemente, mais trabalho para mim. Agora mesmo estou trabalhando na preparação da nova exposição (de 06 a 22 de maio, no Centro Cultural do Banco Central, em São Paulo). Aproveito as constantes viagens a São Paulo para estar um, dois dias com meus pais. Mais, não tenho como fazer. Tenho sentido uma enorme pressão sobre mim e preciso fazer algo em meu favor. Cortando algumas coisas, mesmo que temporariamente. Com lágrimas nos olhos digito estas palavras; com um aperto no peito digo que vou parar por algum tempo. Eu volto! Nós sempre voltamos! Não deixarei de visitar os amigos, sempre que possível, mas minhas janelas continuarão abertas, embora sem novas postagens por algum tempo.

Deixo meu carinho por todos e minha gratidão pelas belas amizades que aqui conquistei. Isto não é uma despedida; é apenas um até breve.


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