21/11/2008

OUVINDO BACH

- Terça-feira, final da tarde, em casa:

Uma amiga aparece para uma visita e para devolver o Livro "O 3º Travesseiro", de Nelson Luiz de Carvalho, que havia lhe emprestado há dois dias.

Espantado com a rapidez da leitura, perguntei o que achou do livro.

- Eu só li o começo, mas o assunto...

- ... ???

- É! Eu não curto esses assuntos... (voz embargada).

- Mas, Miriam... Você é tão aberta, tão bem informada... o que especificamente te incomodou no livro?

- Eu prefiro não falar sobre isso (olhos úmidos, voz quase sumida).

Levantei para mudar o CD e ela pediu que mantivesse Bach. A conversa não fluía. E somos bons amigos, de longa data! Levei-a para a cozinha, comecei a preparar um café e servi um delicioso bolo de cenoura, coberto com chocolate, que ela adora. Ao fundo, o som inconfundível de Bach.

- Sabe por que eu não quis continuar lendo o livro?

- ...???

- É que tenho um problema que não comento com ninguém, mas minha alma anda angustiada e, se não desabafar, acho que vou enlouquecer.

- Se quiser conversar a respeito...

Num rompante, ela colocou para fora tudo o que estava machucando o seu coração. Chorou bastante - desabafou.

Depois que se acalmou um pouco, argumentei:

- Se o seu filho está bem e é feliz, acho que não existem problemas. Apenas o seu orgulho de mãe está ferido por imaginar nunca ter uma nora, ou netos correndo pela sua casa. Por outro lado, ele é um rapaz excelente, estudioso e trabalhador. O amigo dele também parece ser uma pessoa de bem, dono do seu próprio negócio e respeitado por todos que o conhecem. Se eles se sentem bem juntos e se isso faz o seu filho feliz, por que lutar contra? Você o ama e quer o melhor para ele. Será que o melhor não é viver esse relacionamento? Se ele conversou abertamente com você, ele não estará querendo a sua aprovação, a sua aceitação? Pense nisso! Com todo o seu amor de mãe...

Conversamos longamente sobre o assunto. Comemos mais de metade do bolo e fiz café fresco umas três vezes.

Isso aconteceu há uns três anos. Ontem ela esteve em casa com seu novo namorado, contando que estão se preparando, os quatro, para uma viagem pela Europa. E quando voltarem, o filho irá morar com o companheiro em um apartamento que compraram juntos.

Antes que me esqueça: mandei preparar novamente o bolo de cenoura com calda de chocolate que ela tanto gosta. E novamente estávamos ouvindo Bach...

Sei que é extremamente difícil para uma mãe ver seu único filho tão diferente do que ela sonhou. Mas como não criamos nossos filhos para viverem os nossos sonhos, é importante entendermos que cada ser humano é único e deve viver sua própria vida, mesmo que seja totalmente diferente das nossas expectativas. Ela conseguiu atingir esse entendimento. E com isso, ficou mais fácil respeitar todas as diferenças entre eles, deixando que apenas o amor os guiasse.
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